O que é exatamente a “mineralidade” em um vinho? E do que depende essa “mineralidade”?
O descritor "mineral" só apareceu no mundo do vinho há alguns anos e, portanto, o seu emprego por técnicos, disseminadores e imprensa especializada ainda é variado e mal interpretado. Por conseqüência, encontramos em degustações as afirmações "sabor mineral", "aroma mineral" ou um "gosto mineral", entre outros. Mas estas afirmações estão corretas? Mineral é uma palavra muito popular no mundo dos vinhos hoje e parece que nenhum vinho de qualidade pode ficar sem uma pitada de “mineral” em seu bouquet.
Historicamente, a percepção de “mineralidade dos vinhos” tem sido associada à terra e, portanto, ao território de origem, razão pela qual o termo mineral se tornou uma eficaz ferramenta de marketing. Os descritores usados para representar as características dos vinhos está em alta há algum tempo e com muitos episódios controversos.
Em geral, há uma diferença entre o que é transmitido em termos de comunicação de marketing e o que é realmente encontrado, do ponto de vista químico, dentro das garrafas. Sabe-se que a videira retira micro e macro elementos do solo necessários para seus ciclos fisiológicos. No entanto, há uma diferença notável entre elementos minerais (relativos a íons) e minerais (relativos a rochas). Estes últimos geralmente têm capacidade quase zero de interagir quimicamente com a videira. A planta, iniciando na raiz, é um extraordinário "filtro seletivo" entre o solo e os cachos, retrabalhando e modificando a maioria dos elementos absorvidos. Dessa forma, os elementos absorvidos no solo se comportam de forma diferente na fruta, pois a planta vai alocando de maneira distinta esses componentes e as suas transformações nas suas diversas partes (tronco, folhas, cachos, frutas, …). E além dessa modificação dos componentes que é realizada pela própria planta durante seus ciclos fisiológicos, o processo de vinificação também altera a estrutura composicional desse elementos, tornando extremamente difícil rastrear quais são de fato provenientes diretamente dos solos.
Os minerais presentes nos vinhos são responsáveis pelas sensações salgadas que percebemos no momento de uma degustação. Em alguns vinhos elas são mais intensas e em outros menos. Porém, essas sensações salgadas também podem ser confundidas por moléculas produzidas por leveduras, como o ácido succínico ou compostos tiólicos.
O vinho não contém cloreto de sódio (sal de cozinha), tradicionalmente conhecido como sabor salgado, mas sim diversas substâncias minerais (eletrólitos) que muitas vezes são encontradas em pequenas quantidades e que determinam as sensações salgadas, muito apreciadas em vinhos com ausência de taninos, como nos vinhos brancos.
As substâncias minerais são mascaradas pelos taninos, isso explica porque em tintos percebemos somente quando a concentração de minerais é muito grande. Essas substâncias minerais que são encontradas nos vinhos em pequenas quantidades também podem ser derivadas dos ácidos minerais (clorídrico, sulfúrico, fosfórico e carbônico), igualmente responsáveis pelas sensações salgadas percebidas nos vinhos. OBS1: Ouvimos muito a expressão "sápido ou sapidez" em degustações. Entretanto éimportante lembrar que sápido é alguma coisa que tem gosto e, erroneamente, se fala que um vinho é sápido quando apresenta a sensação salgada. É verdade que quanto mais minerais mais sápido será, ou seja, mais gosto terá, mas também não podemos esquecer que no contexto de sápido temos outras sensações de sabores, como as ácidas, doces, etc... OBS2: Importante lembrar que o termo salgado para um vinho tem indicação pejorativa, e então usamos o termo mineral, mesmo sabendo que outras substâncias não minerais também podem interferir na sensação salgada. Substâncias minerais encontradas nos vinhos: •Fosfatos e sulfatos: quantidades entre 100-140 mg/l. Podem variar em função da adição dos sulfitos e dos processos de vinificação. • Cloretos: provenientes do solo, variam entre 100-200 mg/l, mas podem chegar até 2 g/l. • Íons metálicos: cálcio, magnésio, potássio, ferro e cobre também são provenientes do solo e uma mínima parte dos tratamentos feitos à videira. A presença das substâncias minerais no vinho pode variar em função do ambiente pedoclimático (solo, frio, calor, proximidade do mar, solos ricos em sais, etc...), das práticas enológicas e da maturação. Sais minerais e resíduo fixo dos vinhos Estas substâncias minerais acompanhadas dos açúcares e dos ácidos fixos (tartárico, málico, cítrico, lático, etc..) constituem praticamente todos os resíduos fixos dos vinhos, principal responsável, juntamente com o álcool, da estrutura e do corpo dos vinhos. Os ácidos e os minerais presentes nos vinhos são responsáveis pela “dureza” de um vinho juntamente com os taninos (principalmente nos vinhos tintos), enquanto que a parte mais “macia” é por conta dos polialcoóis. Mineralidade e os aromas Em geral, muitos degustadores exaltam as sensações olfativas que lembram a pedra molhada e rochas erroneamente como sendo um aroma mineral. Na realidade as substâncias minerais não são voláteis, logo, são completamente neutras do ponto de vista olfativo. Portanto não podemos encontrar aromas minerais em um vinho.
De fato, é óbvio que a videira tem uma interrelação com o solo e que os elementos minerais assumem um papel de primeira ordem no seu metabolismo. No entanto, é necessário considerar que, desde a videira até a garrafa de vinho, existem numerosos fenômenos químicos e microbiológicos e, com isso, a composição da substância que sai do solo e chega ao vinho muda de maneira significativa.
Dessa forma, não faz sentido ligar a presença de mineral do solo com as notas olfativas de “minerais” dos vinhos. Por outro lado é clara a correlação de aromas com a presença de minerais dissolvidos e/ou formados durante todo o processo de elaboração do vinho, e assim propiciando um gosto intenso (sapidez). Termos como calcário, grafite, mármore e dolomítico são corretos se usados para descrever a geologia do terreno, mas não fazem sentido em nível de descritores aromáticos em degustações visando se referir ao solo. Sensações como ostras frescas, grafite, giz, nafta são sensações etéreas acompanhadas de vinhos com pH mais baixo (em conseqüência de valores mais elevados de acidez fixa) e um sabor intenso. Alguns exemplos de vinhos com perfis aromáticos característicos citados com termos acima são o Chablis (Borgonha-França), Riesling (Mosel e Rheingal - Alemanha), Etna (Itália), entre outros.
Vários trabalhos científicos contribuem para o debate. Um recente estudo, que suscitou considerável controvérsia, tentou avaliar se um painel de provadores especialistas poderia reconhecer inequivocamente o caráter mineral presente em alguns vinhos da Borgonha. Embora contando com métodos de degustações precisos e importantes elaborações estatísticas, os autores concluíram que, mesmo nas terras da Borgonha, não é possível obter uma descrição clara do “caráter mineral”. No entanto, foi encontrada uma ligação entre a percepção do esse “caráter mineral” e algumas características do vinho, como notas redutoras, acidez e amargor. A mineralidade, uma bela solução de marketing A ciência sensorial define elos importantes na pesquisa multidisciplinar do vinho, servindo como uma conjunção entre todos esses fenômenos em estreita correlação com o mundo da viticultura, enologia e estratégias de marketing. Isso fica ainda mais evidente quando as características complexas de um vinho são investigadas por meio de uma abordagem científica.
Entre as características que são estudadas, a mineralidade ocupa um lugar de destaque, principalmente por ser uma das percepções mais enigmáticas e difíceis de serem explicadas. E apesar dessa indefinição, produtores e críticos citam-na com bastante freqüência e como sendo algo preciso e lógico. As vezes, inclusive vinculando essas percepções minerais à qualidade do vinho e usando referências vagas de substâncias minerais do solo (pedras molhadas, pedras trituradas, terra, entre outros) como descritores aromáticos para determinar o solo onde a videira foi plantada.
No entanto, a única certeza que se tem, pelo menos até o momento, é que não há unanimidade que comprove a real relação entre os “aromas do vinho com a mineralidade do solo”. Portanto, uma representação precisa desses descritores não deveria ser fornecida com tanta objetividade e regularidade, pois não se tem certeza de que ela realmente existe.